Era um magnífico e divertido amanhecer de fim de primavera, a mais bonita e a mais alegre estação do ano, e a natureza iluminada sorria agradecida. Tudo palpitava e em lindos tons florescia.

O sol mal havia despontado na linha do horizonte e os pássaros cantavam como numa prece, perambulando pela grama orvalhada à procura de insetos; enquanto as crianças brincavam nos jardins da fazenda, aproveitando as férias escolares.

Naquele dia, Ana pretendia dormir até mais tarde, porém, aquela algazarra toda a despertou, mas não foi o bastante para animá-la e tirá-la do conforto do seu aconchegante quarto.
— Céus… Quem acorda tão cedo com tanta disposição!? — resmungou, mal-humorada.
Tentou dormir novamente, mas à medida que as horas passavam os ruídos matinais aumentavam cada vez mais. Irritada, deitou-se de barriga para cima, cruzou as mãos sobre o peito e ficou olhando para o teto, admirando os desenhos que se formavam pelos raios de sol que insistiam em penetrar pelas frestas da janela entreaberta.

Ela dormia naquele mesmo quarto desde que era um bebê, e o apelidara de meu “Jardim Secreto”, nome do primeiro livro que ganhara de seu pai. A decoração, rosa-pálido, desgastada pelo tempo, ainda era a mesma. As roupas de cama e as cortinas bordadas com personagens de contos de fadas já não faziam mais sentido, ela crescera e deixara o mundo da fantasia para trás, apesar disso, queria deixar tudo exatamente como estava.

Olhou para as suas bonecas e ursos de pelúcia de olhos meigos esbugalhados, espalhados por todos os cantos, insinuando que ela não devia desperdiçar o tempo, trancada em um quarto escuro, enquanto a vida efervescia lá fora, e os repreendeu:

— Calem a boca, seus idiotas, não quero sair da cama hoje! Ela acabara de se graduar no ensino médio e estava de férias até iniciar um curso universitário, por isso não tinha pressa alguma de se levantar, e nem tinha vontade mesmo. Tudo o que ela desejava era ficar sozinha, remoendo seus pensamentos, lembrando-se de um doce e delicioso beijo que ainda fazia seu corpo estremecer de prazer, e de melancolia também.

Embora meio tímida, Ana era uma garota alegre e adorava música e poesia, vivia declamando poemas em voz alta e absorvia cada palavra, principalmente as difíceis para mais tarde usá-las como argumentos em suas discussões familiares.

Entretanto, nos últimos meses, a alegria havia cedido seu lugar para uma grande tristeza e amargura. A vida, que era tão boa e divertida, se tornou vazia, desestimulante, e ela não conseguia encontrar motivos que a fizessem querer continuar vivendo.

Distraída com seus profundos pensamentos, ignorou as batidas na porta e a voz estridente da sua mãe, dizendo: — Ana, levante-se, preguiçosa. Hoje é o seu primeiro dia de férias, venha tomar seu café da manhã comigo.

Ela fechou os olhos e ficou ouvindo os passos rápidos de sua mãe se afastando da porta, cobriu a cabeça e dormiu novamente. Sonhou que passeava por um lindo jardim de inebriantes flores brancas perfumadas, respirou fundo sorvendo o delicioso aroma que se espalhava pelo ar. Estendeu a mão para pegar uma flor e recebeu a picada de uma solitária abelha que colhia o néctar para a colmeia. Sentiu uma dor intensa e quando acordou estava com a mão formigando, provavelmente havia dormido sobre ela.

Enquanto massageava a sua mão adormecida, olhou para o relógio da mesa de cabeceira, passava das dez horas, mesmo sem vontade decidiu se levantar e sair do quarto. Arrastando os pés descalços pelo chão frio do corredor, dirigiu-se ao banheiro, trancou a porta e olhou-se no espelho.Ela tinha a esperança de ver uma imagem alegre e cheia de vida, porém, viu apenas um reflexo triste e infeliz; não havia brilho em seu olhar ou alegria em seu rosto juvenil.

Embora ela não se achasse muito bonita, também sabia que não era feia e, a julgar pela beleza da sua mãe, provavelmente se tornaria uma bela mulher. No entanto, nada daquilo importava, sentia-se demasiadamente depressiva para valorizar as suas qualidades.

Desapontada, deslizou a mão pela sua pele macia e ficou se analisando durante algum tempo enquanto listava em sua mente as coisas boas que ela possuía: uma família que a amava, bons amigos, seus animais de estimação, enfim, tudo o que uma jovem da sua idade podia desejar. Contudo, havia um vazio em seu coração que apenas uma pessoa podia preencher. Com um sorriso triste desenhado em seus delicados lábios rosados, disse a si mesma:

— Sou o retrato de uma natureza morta! — sua voz melancólica ecoou entre as paredes frias do banheiro, como um pedido de socorro ...